Criados há 75 anos, os códigos de barras ajudaram a salvar vidas, foram para o espaço e alimentaram o medo do Anticristo. Estima-se que cerca de 10 bilhões de códigos de barras sejam escaneados todos os dias ao redor do mundo
Getty Images
Lasers. É disso que os funcionários dos supermercados precisam, insistiu Paul McEnroe. Scanners no caixa e pequenas armas a laser em forma de pistola também. Aponte, dispare e complete a venda!
Em 1969, esta era uma visão extravagante do futuro: os lasers escaneariam estranhas marcações em preto e branco nos produtos que McEnroe e seus colegas da IBM haviam projetado. Isso tornaria as filas dos supermercados mais rápidas, disse ele entusiasmado.
A solução viria a ser conhecida como código de barras.
Naquele momento da história, os códigos de barras nunca haviam sido usados comercialmente, embora a ideia estivesse sendo desenvolvida há décadas, após uma patente ser registrada em 20 de outubro de 1949 por um dos engenheiros que agora fazia parte da equipe de McEnroe.
Os engenheiros da IBM estavam tentando dar vida aos códigos de barras. Eles tinham uma visão do futuro em que os consumidores passariam rapidamente pelo caixa com lasers escaneando cada item que desejavam comprar. Mas os advogados da IBM tinham um problema com o futuro.
“De jeito nenhum”, eles disseram, de acordo com McEnroe, engenheiro agora aposentado. Eles temiam um “suicídio a laser”. E se as pessoas ferissem intencionalmente seus olhos com os scanners e depois processassem a IBM? E se os funcionários dos supermercados ficassem cegos?
Não, não, é um mero raio laser de meio miliwatt, McEnroe tentou explicar. Havia 12 mil vezes mais energia em uma lâmpada de 60 watts. Seus apelos não deram em nada.
Ele recorreu então a macacos-rhesus importados da África, embora agora não se lembre de quantos. “Acho que foram seis”, diz ele. “Mas não posso assegurar.”
Depois que os testes em um laboratório próximo comprovaram que a exposição ao laser não prejudicava os olhos dos animais, os advogados cederam.
E foi assim que a leitura de códigos de barras se tornou comum nos supermercados dos EUA e, por fim, no mundo todo.
A história destas linhas verticais tão comuns hoje em dia pode surpreender
Getty Images
Em uma reviravolta inesperada, o laboratório usado por McEnroe disse posteriormente que enviaria os macacos para ele. “Foi uma loucura”, ele se lembra, rindo. “Arrumei um zoológico na Carolina do Norte.”
Além dos macacos, cada membro humano da equipe de McEnroe na IBM também merece crédito pelo Código Universal de Produtos (UPC, na sigla em inglês), como sua versão do código de barras ficou formalmente conhecida.
Entre eles, estava Joe Woodland, o engenheiro que idealizou o conceito inicial dos códigos de barras décadas antes, depois de desenhar linhas na areia de uma praia. Foi ele e outro engenheiro que fizeram o pedido para registrar a patente da ideia fundamental dos códigos de barras em outubro de 1949.
Basicamente, George Laurer e outros membros da equipe da IBM pegaram esta proposta pré-existente de marcações no estilo de código de barras e a desenvolveram até chegar a um retângulo de linhas pretas verticais que correspondiam a um número que poderia identificar de maneira exclusiva qualquer item de supermercado que você possa imaginar. De latas de sopa a caixas de cereais ou pacotes de macarrão.
O setor de supermercados adotou formalmente o UPC em 1973, e o primeiro produto com o código foi escaneado no supermercado Marsh, em Ohio, em 1974.
A partir daí, o sistema conquistou o planeta.
Logo apareceram outros tipos de códigos de barras, e o UPC também serviu de alicerce para os chamados “códigos de barras 2D”, como os QR Codes, que podem codificar ainda mais informações.
Mas a história destas pequenas marcações em preto e branco é muito mais complexa e espinhosa do que você poderia imaginar.
Medindo os espaços
Você poderia até dizer que tudo começou com a CIA, a agência de inteligência americana.
“Eu estava escaneando coisas para a CIA”, explica McEnroe.
“Mapas enormes.”
Este foi um de seus primeiros trabalhos na IBM envolvendo scanners de imagem. Como ele explica em seu livro sobre a invenção do código de barras UPC, isso o ajudou a se preparar para trabalhar com uma tecnologia completamente nova, mas relacionada, que revolucionaria o setor de varejo.
Hoje os códigos de barras ajudam a salvar vidas
Getty Images
McEnroe sabia que as filas dos caixas nas lojas andariam muito mais rápido se os funcionários pudessem simplesmente escanear os produtos para um computador, em vez de ter que ler os preços estampados em cada item e depois processá-los manualmente.
Para ser aceito, esse sistema de leitura de códigos de barras teria que funcionar praticamente todas as vezes — e ler o código corretamente, mesmo que o produto passasse pelo scanner a velocidades de até 2,5 metros por segundo.
A equipe da IBM começou a trabalhar baseando-se no projeto patenteado por Woodland e seu colega — porém, com uma diferença importante. A abordagem original se baseava na leitura da espessura das linhas pretas.
Um dos conceitos que eles haviam proposto na patente — um código de barras redondo, formado por círculos concêntricos — chegou a ser desenvolvido por um grupo concorrente. Mas se revelou difícil de imprimir e mais difícil ainda de encaixar perfeitamente na embalagem do produto.
A equipe da IBM descobriu que era mais fácil imprimir linhas verticais e basear o processo de leitura não na medição da espessura destas linhas, mas na distância entre a borda de uma linha e a borda da linha seguinte.
Em outras palavras, no espaço entre as linhas, que era mais refletor e mais fácil de ser captado pelo scanner.
Desta forma, não importava se a impressora de etiquetas imprimisse linhas mais grossas do que o previsto — a leitura ainda funcionaria, praticamente todas as vezes.
A encarnação do mal
Embora o primeiro produto com código de barras tenha sido vendido em um supermercado dos EUA em 1974, foram necessários mais cinco anos para que os códigos de barras chegassem aos supermercados britânicos. Assim que chegaram, o primeiro item a ser escaneado foi uma caixa de saquinhos de chá.
McEnroe enfatiza que o lançamento da tecnologia de código de barras UPC não foi isento de polêmicas.
“Nossa primeira loja não abriu”, ele recorda.
Havia pessoas do lado de fora protestando contra o fato de que os preços não seriam mais estampados em cada produto, mas apenas nas prateleiras onde os produtos eram colocados.
Alguns sindicatos da época achavam — no fim das contas, com razão — que a tecnologia de escaneamento ameaçava determinados empregos nos supermercados. Também havia a preocupação de que os códigos de barras pudessem ser usados para ocultar os preços.
O próprio McEnroe se lembra de como, no passado, os consumidores às vezes procuravam produtos nas prateleiras dos supermercados que poderiam estar com o preço mais antigo e mais baixo estampado neles. Se os códigos de barras assumissem o controle, estas oportunidades de pechinchar desapareceriam.
Estas preocupações logo se dissiparam. Mas os códigos de barras sempre incomodaram algumas pessoas.
Havia aqueles que temiam os códigos de barras
Getty Images
Para alguns fanáticos, eles são nada menos que a encarnação do mal.
Em 2023, Jordan Frith, professor de comunicação da Universidade de Clemson, na Carolina do Sul, publicou um livro sobre a história dos códigos de barras. Durante sua pesquisa, ele encontrou um artigo de 1975 em uma publicação chamada Gospel Call que sugeria que os códigos de barras poderiam ser “a Marca da Besta” — uma referência a uma profecia bíblica do Livro do Apocalipse sobre o fim do mundo.
A passagem do Novo Testamento se refere a uma besta — às vezes, interpretada como o Anticristo — que obriga todas as pessoas a serem marcadas na mão direita ou na testa. Na profecia, somente aqueles que aceitam esta marca têm permissão para comprar ou vender.
O artigo de 1975 sugeria que, no futuro, os códigos de barras seriam “tatuados a laser” na testa ou nas costas da mão de todo mundo, prontos para serem apresentados nos caixas dos supermercados.
Apesar de bizarra, a ideia provou ser surpreendentemente aderente.
Um livro de 1982 chamado The New Money System (“O novo sistema monetário”, em tradução livre), escrito pela evangélica Mary Stewart Relfe, popularizou ainda mais a suposta conexão, depois que ela afirmou que o número da Besta (666) estava “escondido” entre as linhas nas extremidades e no meio de cada código de barras.
Na verdade, estas “linhas de sinalização”, como são conhecidas, servem como ponto de referência para ajudar o scanner a laser a identificar o início e o fim de cada sequência de UPC.
Mais tarde, Laurer, da equipe da IBM, considerado coinventor do UPC, insistiu que não havia nada de sinistro nisso — e que a semelhança com o padrão usado para codificar o número seis era uma coincidência.
Para alguns, eles são nada menos que a encarnação do mal
Getty Images
Mas a teoria bizarra ainda pode ser encontrada em alguns recantos da internet.
E algumas pessoas até tomam medidas extremas para evitar códigos de barras, incluindo membros de um grupo cristão russo ortodoxo conhecido como Velhos Crentes.
Agafia Lykov, que vive em uma região remota da Sibéria, disse a jornalistas da revista Vice em 2013 que os códigos de barras eram “o selo do Anticristo”.
Ela acrescentou que se alguém lhe der algo, como um pacote de sementes, com um código de barras, ela retira o conteúdo e queima o pacote.
Além disso, em 2014, uma empresa de laticínios russa publicou uma declaração em seu site explicando por que havia uma cruz vermelha impressa sobre os códigos de barras em suas caixas de leite. Como é “bem conhecido”, dizia a declaração, os códigos de barras são a Marca da Besta. A declaração já foi removida do site da empresa.
McEnroe diz que está ciente de algumas dessas crenças estranhas sobre os códigos de barras.
“Não é algo que eu estaria propenso a pensar”, diz ele, de forma bastante diplomática.
Frith ressalta outro aspecto: “É um pouco estranho imaginar um bando de executivos do setor de supermercados abrindo caminho para o apocalipse.”
Distópicos
Mas pode-se dizer que há algo estranhamente distópico nos códigos de barras. Para alguns, eles se tornaram um símbolo do capitalismo em sua forma mais fria. Também costumam aparecer em sequências assustadoras em filmes.
Em O Exterminador do Futuro, ficamos sabendo que os prisioneiros de robôs assassinos em um futuro apocalíptico são marcados com códigos de barras em seus braços para identificação.
“Isso é gravado por escaneamento a laser”, explica o personagem Kyle Reese, que viaja no tempo, a Sarah Connor. “Alguns de nós fomos mantidos vivos para trabalhar — carregando corpos.”
Na narrativa do filme O Exterminador do Futuro, protagonizado por Arnold Schwarzenegger, o papel dos códigos de barras causa arrepios
Getty Images
A marca do código de barras, neste contexto, lembra os números tatuados nos braços dos prisioneiros dos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Às vezes, as pessoas usam os códigos de barras de forma maliciosa. Especialmente quando se trata de QR Codes, que, em vez de usar linhas verticais, consistem em constelações de pequenos quadrados pretos e brancos em um padrão que pode ser lido por câmeras digitais de smartphones.
Como a leitura de um QR Code pode direcionar seu dispositivo a um site mal-intencionado, hackers utilizam a tecnologia de vez em quando.
O Centro Nacional de Segurança Cibernética do Reino Unido alertou a população para ter cuidado com os QR Codes. Motoristas em várias cidades inglesas também foram alertados sobre um golpe em que QR Codes falsos foram colados a máquinas de estacionamento na tentativa de roubar dinheiro de motoristas desavisados. Um código usado em estacionamentos em Leicester chegou a ser vinculado à Rússia.
E, em setembro, o grupo armado Hezbollah, baseado no Líbano, acusou Israel de lançar folhetos contendo um código de barras perigoso, mencionado como QR Code em algumas reportagens, que poderia “retirar todas as informações” de qualquer dispositivo usado para escaneá-lo. A BBC não conseguiu verificar estas alegações.
Onipresentes
Apesar de alguns usos nefastos dos códigos de barras e de alegações bizarras de que eles representam a Marca da Besta, esta tecnologia é utilizada em milhares de processos industriais e comerciais no mundo todo. Estima-se que 10 bilhões de códigos de barras sejam escaneados globalmente, todos os dias, de acordo com a GS1, organização que supervisiona os padrões de códigos UPC e QR.
Você já deve ter reparado nos códigos de barras e QR Codes presentes nas embalagens dos itens que recebe pelo correio, por exemplo. Um único pacote pode ser escaneado várias vezes em sua jornada do depósito até sua casa, diz Frith. E como os códigos de barras permitem que os varejistas controlem grandes estoques de produtos, isso significa que essas empresas podem operar lojas gigantescas com relativamente poucos funcionários.
“Você não teria essas superlojas ou algo do gênero sem os códigos de barras”, observa Frith. “Isso mudou a estrutura física do varejo.”
Erin Temmen, gerente de contas da empresa de etiquetagem Electronic Imaging Materials, concorda com essa avaliação. Sua empresa, assim como outras do setor, produz etiquetas de código de barras que funcionam praticamente em qualquer ambiente.
Isso inclui, por exemplo, etiquetas resistentes ao frio que não vão cair de equipamentos cheios de nitrogênio líquido. E etiquetas resistentes a produtos químicos que vão conservar o código de barras mesmo se substâncias nocivas respingarem nelas em laboratório.
A empresa também produz etiquetas de código de barras mais refletoras. “Isso aumenta a distância de escaneamento”, explica Temmen. Ou seja, facilita a leitura do código por trabalhadores apressados a uma distância de até 14 metros, tornando-o detectável mesmo se o código de barras estiver em um item colocado no alto de uma prateleira, por exemplo.
Essa versatilidade indica a grande variedade de contextos em que os códigos de barras são realmente usados.
Uma tartaruga marinha com um código no casco rasteja em direção ao mar na Reserva Natural Nacional de Tartarugas Marinhas de Huidong, na China
Getty Images
Eles ajudaram a monitorar o comportamento e o movimento de abelhas e pássaros, a marcar óvulos e embriões em clínicas de fertilidade para evitar confusões e foram colocados em lápides para direcionar os visitantes para memoriais online dos falecidos.
As Forças Armadas dos EUA também usam códigos de barras para ajudar a controlar a presença e o treinamento de pessoal. Uma universidade na Arábia Saudita também testou o recurso para registrar a presença dos alunos nas aulas.
Os códigos de barras chegaram até mesmo ao espaço.
Os astronautas da Estação Espacial Internacional usam leitores de código de barras para identificar equipamentos e peças mecânicas, embora eles tenham sido substituídos em grande parte por identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês). Os códigos de barras também são usados para registrar a ingestão de alimentos e bebidas pelos astronautas, assim como para identificar suas amostras de sangue, saliva e urina.
Na Terra, é possível que os códigos de barras tenham salvado vidas. Os hospitais usam sistemas de código de barras para rastrear amostras de sangue, medicamentos e dispositivos médicos, como próteses de quadril.
O NHS, sistema público de saúde do Reino Unido, tem um programa chamado Scan4Safety para promover o uso de códigos de barras para monitorar este tipo de informação. A identificação auxiliada por computador pode ajudar a equipe a garantir que os médicos administrem o medicamento correto no paciente certo, por exemplo.
De acordo com um relatório do Scan4Safety, a introdução desta tecnologia liberou 140 mil horas do tempo da equipe para o atendimento aos pacientes que, de outra forma, seria gasto com tarefas administrativas e controle de estoque. O relatório afirma ainda que a leitura de código de barras também economizou milhões de libras para o serviço de saúde.
“Converso com médicos e membros da equipe responsáveis pelo gerenciamento de estoque em hospitais — todos relatam benefícios”, diz Valentina Lichtner, professora da Universidade de Leeds, no Reino Unido, que atualmente está pesquisando o impacto dos sistemas de monitoramento de código de barras em ambientes de serviços de saúde.
E em um mundo em que os códigos de barras estão praticamente em todos os lugares, é possível criar jogos e experiências interessantes com base neles. Um dos exemplos mais inovadores foi o Skannerz, um videogame portátil do início dos anos 2000 que tinha um leitor de código de barras integrado ao dispositivo.
Os jogadores tinham que escanear códigos de barras aleatórios em alimentos, por exemplo, até encontrarem um código que acionasse a “captura” de um monstro alienígena no jogo — algo que tem fortes ecos dos jogos do Pokémon. Outros jogos, incluindo o Barcode Battler do Japão, também se baseiam em fazer com que os jogadores leiam códigos de barras como parte da “diversão”.
Nada disso teria sido possível sem as linhas traçadas por Woodland na areia da praia e o trabalho de McEnroe e sua equipe na IBM.
Atualmente, existe uma iniciativa — chamada Sunrise 2027 — para fazer com que os varejistas adotem códigos no estilo QR Code, em vez dos designs mais antigos, baseados em linhas verticais. Isso permitiria que eles codificassem mais informações, como datas de validade em embalagens de alimentos ou instruções sobre como usar um determinado produto de limpeza.
Mas Frith acredita que o código de barras tradicional provavelmente vai continuar existindo por muito tempo. Trata-se de uma tecnologia aparentemente simples que, segundo ele, impactou uma série de setores.
E, apesar de os códigos de barras estarem por toda parte, “a maior prova do seu sucesso”, diz Frith, “é que nunca pensamos neles”.
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Lasers. É disso que os funcionários dos supermercados precisam, insistiu Paul McEnroe. Scanners no caixa e pequenas armas a laser em forma de pistola também. Aponte, dispare e complete a venda!
Em 1969, esta era uma visão extravagante do futuro: os lasers escaneariam estranhas marcações em preto e branco nos produtos que McEnroe e seus colegas da IBM haviam projetado. Isso tornaria as filas dos supermercados mais rápidas, disse ele entusiasmado.
A solução viria a ser conhecida como código de barras.
Naquele momento da história, os códigos de barras nunca haviam sido usados comercialmente, embora a ideia estivesse sendo desenvolvida há décadas, após uma patente ser registrada em 20 de outubro de 1949 por um dos engenheiros que agora fazia parte da equipe de McEnroe.
Os engenheiros da IBM estavam tentando dar vida aos códigos de barras. Eles tinham uma visão do futuro em que os consumidores passariam rapidamente pelo caixa com lasers escaneando cada item que desejavam comprar. Mas os advogados da IBM tinham um problema com o futuro.
“De jeito nenhum”, eles disseram, de acordo com McEnroe, engenheiro agora aposentado. Eles temiam um “suicídio a laser”. E se as pessoas ferissem intencionalmente seus olhos com os scanners e depois processassem a IBM? E se os funcionários dos supermercados ficassem cegos?
Não, não, é um mero raio laser de meio miliwatt, McEnroe tentou explicar. Havia 12 mil vezes mais energia em uma lâmpada de 60 watts. Seus apelos não deram em nada.
Ele recorreu então a macacos-rhesus importados da África, embora agora não se lembre de quantos. “Acho que foram seis”, diz ele. “Mas não posso assegurar.”
Depois que os testes em um laboratório próximo comprovaram que a exposição ao laser não prejudicava os olhos dos animais, os advogados cederam.
E foi assim que a leitura de códigos de barras se tornou comum nos supermercados dos EUA e, por fim, no mundo todo.
A história destas linhas verticais tão comuns hoje em dia pode surpreender
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Em uma reviravolta inesperada, o laboratório usado por McEnroe disse posteriormente que enviaria os macacos para ele. “Foi uma loucura”, ele se lembra, rindo. “Arrumei um zoológico na Carolina do Norte.”
Além dos macacos, cada membro humano da equipe de McEnroe na IBM também merece crédito pelo Código Universal de Produtos (UPC, na sigla em inglês), como sua versão do código de barras ficou formalmente conhecida.
Entre eles, estava Joe Woodland, o engenheiro que idealizou o conceito inicial dos códigos de barras décadas antes, depois de desenhar linhas na areia de uma praia. Foi ele e outro engenheiro que fizeram o pedido para registrar a patente da ideia fundamental dos códigos de barras em outubro de 1949.
Basicamente, George Laurer e outros membros da equipe da IBM pegaram esta proposta pré-existente de marcações no estilo de código de barras e a desenvolveram até chegar a um retângulo de linhas pretas verticais que correspondiam a um número que poderia identificar de maneira exclusiva qualquer item de supermercado que você possa imaginar. De latas de sopa a caixas de cereais ou pacotes de macarrão.
O setor de supermercados adotou formalmente o UPC em 1973, e o primeiro produto com o código foi escaneado no supermercado Marsh, em Ohio, em 1974.
A partir daí, o sistema conquistou o planeta.
Logo apareceram outros tipos de códigos de barras, e o UPC também serviu de alicerce para os chamados “códigos de barras 2D”, como os QR Codes, que podem codificar ainda mais informações.
Mas a história destas pequenas marcações em preto e branco é muito mais complexa e espinhosa do que você poderia imaginar.
Medindo os espaços
Você poderia até dizer que tudo começou com a CIA, a agência de inteligência americana.
“Eu estava escaneando coisas para a CIA”, explica McEnroe.
“Mapas enormes.”
Este foi um de seus primeiros trabalhos na IBM envolvendo scanners de imagem. Como ele explica em seu livro sobre a invenção do código de barras UPC, isso o ajudou a se preparar para trabalhar com uma tecnologia completamente nova, mas relacionada, que revolucionaria o setor de varejo.
Hoje os códigos de barras ajudam a salvar vidas
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McEnroe sabia que as filas dos caixas nas lojas andariam muito mais rápido se os funcionários pudessem simplesmente escanear os produtos para um computador, em vez de ter que ler os preços estampados em cada item e depois processá-los manualmente.
Para ser aceito, esse sistema de leitura de códigos de barras teria que funcionar praticamente todas as vezes — e ler o código corretamente, mesmo que o produto passasse pelo scanner a velocidades de até 2,5 metros por segundo.
A equipe da IBM começou a trabalhar baseando-se no projeto patenteado por Woodland e seu colega — porém, com uma diferença importante. A abordagem original se baseava na leitura da espessura das linhas pretas.
Um dos conceitos que eles haviam proposto na patente — um código de barras redondo, formado por círculos concêntricos — chegou a ser desenvolvido por um grupo concorrente. Mas se revelou difícil de imprimir e mais difícil ainda de encaixar perfeitamente na embalagem do produto.
A equipe da IBM descobriu que era mais fácil imprimir linhas verticais e basear o processo de leitura não na medição da espessura destas linhas, mas na distância entre a borda de uma linha e a borda da linha seguinte.
Em outras palavras, no espaço entre as linhas, que era mais refletor e mais fácil de ser captado pelo scanner.
Desta forma, não importava se a impressora de etiquetas imprimisse linhas mais grossas do que o previsto — a leitura ainda funcionaria, praticamente todas as vezes.
A encarnação do mal
Embora o primeiro produto com código de barras tenha sido vendido em um supermercado dos EUA em 1974, foram necessários mais cinco anos para que os códigos de barras chegassem aos supermercados britânicos. Assim que chegaram, o primeiro item a ser escaneado foi uma caixa de saquinhos de chá.
McEnroe enfatiza que o lançamento da tecnologia de código de barras UPC não foi isento de polêmicas.
“Nossa primeira loja não abriu”, ele recorda.
Havia pessoas do lado de fora protestando contra o fato de que os preços não seriam mais estampados em cada produto, mas apenas nas prateleiras onde os produtos eram colocados.
Alguns sindicatos da época achavam — no fim das contas, com razão — que a tecnologia de escaneamento ameaçava determinados empregos nos supermercados. Também havia a preocupação de que os códigos de barras pudessem ser usados para ocultar os preços.
O próprio McEnroe se lembra de como, no passado, os consumidores às vezes procuravam produtos nas prateleiras dos supermercados que poderiam estar com o preço mais antigo e mais baixo estampado neles. Se os códigos de barras assumissem o controle, estas oportunidades de pechinchar desapareceriam.
Estas preocupações logo se dissiparam. Mas os códigos de barras sempre incomodaram algumas pessoas.
Havia aqueles que temiam os códigos de barras
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Para alguns fanáticos, eles são nada menos que a encarnação do mal.
Em 2023, Jordan Frith, professor de comunicação da Universidade de Clemson, na Carolina do Sul, publicou um livro sobre a história dos códigos de barras. Durante sua pesquisa, ele encontrou um artigo de 1975 em uma publicação chamada Gospel Call que sugeria que os códigos de barras poderiam ser “a Marca da Besta” — uma referência a uma profecia bíblica do Livro do Apocalipse sobre o fim do mundo.
A passagem do Novo Testamento se refere a uma besta — às vezes, interpretada como o Anticristo — que obriga todas as pessoas a serem marcadas na mão direita ou na testa. Na profecia, somente aqueles que aceitam esta marca têm permissão para comprar ou vender.
O artigo de 1975 sugeria que, no futuro, os códigos de barras seriam “tatuados a laser” na testa ou nas costas da mão de todo mundo, prontos para serem apresentados nos caixas dos supermercados.
Apesar de bizarra, a ideia provou ser surpreendentemente aderente.
Um livro de 1982 chamado The New Money System (“O novo sistema monetário”, em tradução livre), escrito pela evangélica Mary Stewart Relfe, popularizou ainda mais a suposta conexão, depois que ela afirmou que o número da Besta (666) estava “escondido” entre as linhas nas extremidades e no meio de cada código de barras.
Na verdade, estas “linhas de sinalização”, como são conhecidas, servem como ponto de referência para ajudar o scanner a laser a identificar o início e o fim de cada sequência de UPC.
Mais tarde, Laurer, da equipe da IBM, considerado coinventor do UPC, insistiu que não havia nada de sinistro nisso — e que a semelhança com o padrão usado para codificar o número seis era uma coincidência.
Para alguns, eles são nada menos que a encarnação do mal
Getty Images
Mas a teoria bizarra ainda pode ser encontrada em alguns recantos da internet.
E algumas pessoas até tomam medidas extremas para evitar códigos de barras, incluindo membros de um grupo cristão russo ortodoxo conhecido como Velhos Crentes.
Agafia Lykov, que vive em uma região remota da Sibéria, disse a jornalistas da revista Vice em 2013 que os códigos de barras eram “o selo do Anticristo”.
Ela acrescentou que se alguém lhe der algo, como um pacote de sementes, com um código de barras, ela retira o conteúdo e queima o pacote.
Além disso, em 2014, uma empresa de laticínios russa publicou uma declaração em seu site explicando por que havia uma cruz vermelha impressa sobre os códigos de barras em suas caixas de leite. Como é “bem conhecido”, dizia a declaração, os códigos de barras são a Marca da Besta. A declaração já foi removida do site da empresa.
McEnroe diz que está ciente de algumas dessas crenças estranhas sobre os códigos de barras.
“Não é algo que eu estaria propenso a pensar”, diz ele, de forma bastante diplomática.
Frith ressalta outro aspecto: “É um pouco estranho imaginar um bando de executivos do setor de supermercados abrindo caminho para o apocalipse.”
Distópicos
Mas pode-se dizer que há algo estranhamente distópico nos códigos de barras. Para alguns, eles se tornaram um símbolo do capitalismo em sua forma mais fria. Também costumam aparecer em sequências assustadoras em filmes.
Em O Exterminador do Futuro, ficamos sabendo que os prisioneiros de robôs assassinos em um futuro apocalíptico são marcados com códigos de barras em seus braços para identificação.
“Isso é gravado por escaneamento a laser”, explica o personagem Kyle Reese, que viaja no tempo, a Sarah Connor. “Alguns de nós fomos mantidos vivos para trabalhar — carregando corpos.”
Na narrativa do filme O Exterminador do Futuro, protagonizado por Arnold Schwarzenegger, o papel dos códigos de barras causa arrepios
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A marca do código de barras, neste contexto, lembra os números tatuados nos braços dos prisioneiros dos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Às vezes, as pessoas usam os códigos de barras de forma maliciosa. Especialmente quando se trata de QR Codes, que, em vez de usar linhas verticais, consistem em constelações de pequenos quadrados pretos e brancos em um padrão que pode ser lido por câmeras digitais de smartphones.
Como a leitura de um QR Code pode direcionar seu dispositivo a um site mal-intencionado, hackers utilizam a tecnologia de vez em quando.
O Centro Nacional de Segurança Cibernética do Reino Unido alertou a população para ter cuidado com os QR Codes. Motoristas em várias cidades inglesas também foram alertados sobre um golpe em que QR Codes falsos foram colados a máquinas de estacionamento na tentativa de roubar dinheiro de motoristas desavisados. Um código usado em estacionamentos em Leicester chegou a ser vinculado à Rússia.
E, em setembro, o grupo armado Hezbollah, baseado no Líbano, acusou Israel de lançar folhetos contendo um código de barras perigoso, mencionado como QR Code em algumas reportagens, que poderia “retirar todas as informações” de qualquer dispositivo usado para escaneá-lo. A BBC não conseguiu verificar estas alegações.
Onipresentes
Apesar de alguns usos nefastos dos códigos de barras e de alegações bizarras de que eles representam a Marca da Besta, esta tecnologia é utilizada em milhares de processos industriais e comerciais no mundo todo. Estima-se que 10 bilhões de códigos de barras sejam escaneados globalmente, todos os dias, de acordo com a GS1, organização que supervisiona os padrões de códigos UPC e QR.
Você já deve ter reparado nos códigos de barras e QR Codes presentes nas embalagens dos itens que recebe pelo correio, por exemplo. Um único pacote pode ser escaneado várias vezes em sua jornada do depósito até sua casa, diz Frith. E como os códigos de barras permitem que os varejistas controlem grandes estoques de produtos, isso significa que essas empresas podem operar lojas gigantescas com relativamente poucos funcionários.
“Você não teria essas superlojas ou algo do gênero sem os códigos de barras”, observa Frith. “Isso mudou a estrutura física do varejo.”
Erin Temmen, gerente de contas da empresa de etiquetagem Electronic Imaging Materials, concorda com essa avaliação. Sua empresa, assim como outras do setor, produz etiquetas de código de barras que funcionam praticamente em qualquer ambiente.
Isso inclui, por exemplo, etiquetas resistentes ao frio que não vão cair de equipamentos cheios de nitrogênio líquido. E etiquetas resistentes a produtos químicos que vão conservar o código de barras mesmo se substâncias nocivas respingarem nelas em laboratório.
A empresa também produz etiquetas de código de barras mais refletoras. “Isso aumenta a distância de escaneamento”, explica Temmen. Ou seja, facilita a leitura do código por trabalhadores apressados a uma distância de até 14 metros, tornando-o detectável mesmo se o código de barras estiver em um item colocado no alto de uma prateleira, por exemplo.
Essa versatilidade indica a grande variedade de contextos em que os códigos de barras são realmente usados.
Uma tartaruga marinha com um código no casco rasteja em direção ao mar na Reserva Natural Nacional de Tartarugas Marinhas de Huidong, na China
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Eles ajudaram a monitorar o comportamento e o movimento de abelhas e pássaros, a marcar óvulos e embriões em clínicas de fertilidade para evitar confusões e foram colocados em lápides para direcionar os visitantes para memoriais online dos falecidos.
As Forças Armadas dos EUA também usam códigos de barras para ajudar a controlar a presença e o treinamento de pessoal. Uma universidade na Arábia Saudita também testou o recurso para registrar a presença dos alunos nas aulas.
Os códigos de barras chegaram até mesmo ao espaço.
Os astronautas da Estação Espacial Internacional usam leitores de código de barras para identificar equipamentos e peças mecânicas, embora eles tenham sido substituídos em grande parte por identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês). Os códigos de barras também são usados para registrar a ingestão de alimentos e bebidas pelos astronautas, assim como para identificar suas amostras de sangue, saliva e urina.
Na Terra, é possível que os códigos de barras tenham salvado vidas. Os hospitais usam sistemas de código de barras para rastrear amostras de sangue, medicamentos e dispositivos médicos, como próteses de quadril.
O NHS, sistema público de saúde do Reino Unido, tem um programa chamado Scan4Safety para promover o uso de códigos de barras para monitorar este tipo de informação. A identificação auxiliada por computador pode ajudar a equipe a garantir que os médicos administrem o medicamento correto no paciente certo, por exemplo.
De acordo com um relatório do Scan4Safety, a introdução desta tecnologia liberou 140 mil horas do tempo da equipe para o atendimento aos pacientes que, de outra forma, seria gasto com tarefas administrativas e controle de estoque. O relatório afirma ainda que a leitura de código de barras também economizou milhões de libras para o serviço de saúde.
“Converso com médicos e membros da equipe responsáveis pelo gerenciamento de estoque em hospitais — todos relatam benefícios”, diz Valentina Lichtner, professora da Universidade de Leeds, no Reino Unido, que atualmente está pesquisando o impacto dos sistemas de monitoramento de código de barras em ambientes de serviços de saúde.
E em um mundo em que os códigos de barras estão praticamente em todos os lugares, é possível criar jogos e experiências interessantes com base neles. Um dos exemplos mais inovadores foi o Skannerz, um videogame portátil do início dos anos 2000 que tinha um leitor de código de barras integrado ao dispositivo.
Os jogadores tinham que escanear códigos de barras aleatórios em alimentos, por exemplo, até encontrarem um código que acionasse a “captura” de um monstro alienígena no jogo — algo que tem fortes ecos dos jogos do Pokémon. Outros jogos, incluindo o Barcode Battler do Japão, também se baseiam em fazer com que os jogadores leiam códigos de barras como parte da “diversão”.
Nada disso teria sido possível sem as linhas traçadas por Woodland na areia da praia e o trabalho de McEnroe e sua equipe na IBM.
Atualmente, existe uma iniciativa — chamada Sunrise 2027 — para fazer com que os varejistas adotem códigos no estilo QR Code, em vez dos designs mais antigos, baseados em linhas verticais. Isso permitiria que eles codificassem mais informações, como datas de validade em embalagens de alimentos ou instruções sobre como usar um determinado produto de limpeza.
Mas Frith acredita que o código de barras tradicional provavelmente vai continuar existindo por muito tempo. Trata-se de uma tecnologia aparentemente simples que, segundo ele, impactou uma série de setores.
E, apesar de os códigos de barras estarem por toda parte, “a maior prova do seu sucesso”, diz Frith, “é que nunca pensamos neles”.